A queda das estrelas

João era professor e adorava ensinar. Dava aulas de história e tinha um jeito todo especial de falar daquilo que aconteceu antes de nós.


Paulo tinha 12 anos e detestava estudar. Queria mesmo era jogar bola e, vez em quando, dava um jeitinho de escapar da aula pra bater pelada.

Todas as noites, João ficava até altas horas planejando como seria a aula do dia seguinte. Tinha mil ideias: de histórias, trabalhos, jogos e desenhos.

Todas as noites, Paulo dormia chateado porque não tinha tempo de brincar. Chegava da escola, ia ajudar a mãe na venda. A casa era apertada pra brinquedos e a rua não tinha espaço pra futebol.

Na Escola Matricó, estudavam muitas crianças como Paulo. Lia não conversava com as amigas da rua porque tinha que lavar, arrumar e passar.

Maria Clara não podia escutar as músicas nem ver os vídeos do celular. Tinha que cuidar de seu irmãozinho pequeno.

Ricardo não fingia de super-herói nem batia bola com os amigos. Era preciso vender frutas na feira.

No dia seguinte, lá estavam todos eles, na Escola Matricó. E queriam brincar o tanto que não brincavam fora dela.

Mas havia as aulas. Ai... as aulas. Como, por exemplo, a do professor de história, João. Em vão, ele tentava fazer aquilo que planejara. Ninguém ouvia as histórias, ninguém desenhava os mapas, ninguém entrava nos jogos, ninguém fazia as pesquisas.

João precisava gritar. Gritos e gritos se acumulavam na sala. Ninguém se ouvia. Ninguém ouvia.

João saía triste da escola. Achava que era ele que não sabia ensinar. Fracassara em seu maior sonho. E, a cada dia, seus olhos perdiam um pouco do brilho que tinham. João definhava.

Começou pela voz. Tantos os gritos, que um calo formou-se em suas cordas vocais. E cresceu, irritou-se, tomou-lhe a voz, que adquiriu para sempre aquela rouquidão sombria.

Então, a alma do professor rachou de cima até embaixo. Nada além da tristeza lhe restara. Suas ideias, que iluminavam-lhe a vida, caíram terra abaixo. Não havia mais estrelas no seu céu.

Foi afastado por doença o professor João. A diretora procuraria substituto. Mas, enquanto isso, seu horário de aula ficou vago, livre para brincadeiras.

No começo, Paulo achou bom demais. Jogava bola, conversava, brincava com os amigos. Não precisava estudar.

Com o tempo, foi lhe dando um aperto no peito. Uma espécie de saudade de quando o professor João sabia sorrir. De quando ele contava histórias e propunha jogos e pesquisas. Mas o professor João já não podia ensinar.

Paulo deixou de brincar na hora das aulas. Cresceu, fez pedagogia, tornou-se professor. Mas, ainda hoje, de vez em quando, ele lembra das estrelas que se apagaram dos olhos do professor João. E faz questão de que seus dois filhos tenham muito tempo para brincadeiras, para que aprendam, também, a hora de parar.

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