... sem pressa.
Cada ano uma marca, uma ruga, um sinal.
E tantas as dobras que os olhos espremiam-se nos traços do rosto.
Era velho.
E tinha, no entanto, todo o tempo do mundo.
Cada gesto, cada fala, cada movimento executava-se em câmera lenta, para desespero nosso, os que correm demais.
Ele não.
Não corria.
Observava a vida com olhos atentos: uma hora inteira a aspirar a beleza da praça.
Era velho e os adultos passavam longe.
Mas as crianças não.
Chamavam-no de vô e vestiam-no com chapéu de jornal.
Ele sorria e brincava, sem pressa, a sorver da infância a alegria.
Todas as tardes, sem falta, ele ia à praça.
No mesmo horário, em seu passo lento.
Sentava no mesmo banco.
E olhava.
Um dia, meu filho sentou-se ao seu lado.
E, como outras crianças, iniciou com ele uma conversa de iguais.
No fim do papo, lhe ofereceu uma pergunta:
- Vô, o que você tanto olha todos os dias?
O velho parou, pensou, sorriu.
Lentamente, voltou-se para olhar o menino. Com sua voz rouca e sem pressa, falou:
- Eu olho o que, antes, esqueci de olhar...
Comentários
Que coisa linda!!! Meu Deus!
Talvez eu volte outra hora, quem sabe diga coisa melhor que minhas tantas exclamações. Quem sabe, Fabi, eu volte para ler de novo e...quem sabe, conseguir olhar o que "esqueci de olhar" desta vez. Quem sabe se minha juventude de quarenta tenha um pouco mais de lentidão apreendida dessas falas lindas, dessas cabeças glamouriosas nos seus fios brancos, sentados nas suas praças em busca de parceiros de olhares. Quem sabe, Fabi, quando minha cabeça estiver branca eu também não conte com um João Pedro para me dar coragem de dizer aquilo que nem sempre teria se estivesse sozinha.
Eu gostaria de que quando chegasse esse dia, eu também tivesse coragem de perguntar ao João o que ele vê todos os dias. Assim tomaria emprestado os seus olhos e, certamente, enxergaria bem mais.
Beijão bem grandão!
Estou com saudades.
Magna
Acho que precisamos desse exercício diário de olhar de forma mais arguta para o que esquecemos de enxergar.
Essa é magistral. Tão lindo que dá inveja de não ter escrito. E fiquei assim, com vontade de olhar as coisas que esqueci de olhar.
Dimas
Cadê tu, Fabi? Olha, enxerga e escreve, por favor.
Beijão.
Magna