De meninas e lobos


Esta é a história de uma menina e seus lobos.
Não.
Ela não usava um chapeuzinho vermelho. No máximo, um boné para conter os cabelos rebeldes.


Não.
Sua mãe não lhe preparou uma cestinha...
Sua mãe tinha muitas tarefas.
Sua mãe tinha muitas preocupações...
muitos filhos pequenos 
muitas contas a pagar 
tantas coisas, tantas, tantas...
que sequer reparou que a menina cresceu.
A menina virou moça.
Sua saia encurtou e camiseta ficou justa.
A mãe não pôde reparar.
Também não pôde ensinar sobre os caminhos do bosque ou da floresta, nem sobre as feras do caminho, sobre ser caça ou caçador.
E foi a menina, sozinha, que decidiu que era hora de fazer a travessia.
Pegou a cestinha e colocou, lá dentro, suas maiores riquezas:
sua inocência,
seu coração,
sua juventude.
Partiu em direção à floresta.
Na primeira encruzilhada, ela viu uma estrada longa, fina e íngreme. E outra, que lhe parecia mais familiar. Foi por esta última que seguiu. E foi por aí que lhe apareceu a primeira fera.
Era enorme, peluda e assustadora.
Tapou-lhe a boca com as mãos e não lhe deu condições de reagir.
Tomou-lhe a cestinha e arrancou à força seu primeiro bem: a inocência.
A menina chorou e chorou. Mas não quis voltar nem pedir ajuda: - Quem ajudaria uma menina à quem roubaram a inocência? 
Seguiu. E o ar puro da floresta, aos poucos, lhe devolveu o sorriso.
Então surgiu a segunda fera.
Não, não era uma fera. Não podia ser.
Era um homem bonito. Sorriso manso. Enchia-lhe de agrados, presentes e promessas.
A menina lhe entregou, de bom grado, seu segundo bem: o coração.
Então ele sumiu e nunca mais voltou.
A terceira fera a encontrou seca e triste, sem coração nem inocência. A juventude apenas, na cesta.
Casou com ela.
Fez-lhe dona de um lar.
Deu-lhe filhos.
Mas, dia a dia, noite a noite, roubava-lhe um taco da juventude, pois que lhe roubava os sonhos.
E tão cheia de tristezas viveu a menina que não percebeu que a filha cresceu. Virou moça. Saia curta, camiseta justa e, um dia, a mãe topou com ela em um canto da casa arrumando sua cesta. 
Despertou a tempo de avisar a menina que não atravessasse a floresta sem antes ter conhecido o caminho do bosque.
A menina seguiu os conselhos da mãe.
No começo de seu caminho pelo bosque, havia uma escola. A menina entrou na escola e conheceu muitas coisas. A diretora chamava-se Irani e lhe deu bons conselhos.
Disse:
- Se você vai à floresta, ponha em tua cesta estes dois objetos.
E lhe entregou um espelho e um livro. Disse:
- Neste espelho você vai conhecer seu verdadeiro amor. Só ele pode lhe proteger das feras que tentarão te roubar.
Disse mais:
- Este livro te dará conhecimento. Sem isso, você será sempre um alvo fácil das feras.
E concluiu:
- Mas para algumas feras, amor e conhecimento não são armas suficientes. É preciso pedir ajuda. Por isso, acrescente à tua cesta o número de meu telefone.
A menina agradeceu, pegou a cesta, atravessou a floresta e seguiu cuidadosamente os conselhos de Dona Irani. E nenhuma fera lhe fez mal.


Comentários

Magna Santos disse…
Eita, Fabi, que coisa maravilhosa! Dá pra ver esta história em um livro, Fabi. Daria um belíssimo livro, Fabi. Cadê o Libório?
Essa Dona Irani...
Beijão e saudade danada de tu, da gente, da nossa leseira...
Magna
Luna Freire disse…
Pois é, Magníssima: é mais uma história de Cocal, que vc bem sabe onde fica...

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