Um lugar para Jô

Quando eu nasci, um anjo torto

e muito filho da puta 
disse:
- Vai, Jô, te fode na vida!


E eu logo descobri que esse mundo 

Não era meu lugar

Eu não cabia nas gavetas
A das pirocas 
A das bucetas 
Em nenhuma eu conseguia me encaixar

Na gaveta das bucetas 
Tudo era delicadeza
A voz bem baixinha 
Sentar como princesa
Limpar
Varrer
Sorrir
Trepar
Cozer
Parir 
Me sujeitar 
E obedecer

Na gaveta dos caralhos 
Só agressividade 
Nada de arte, nada de canto 
Nada de medo, nada de pranto
- Aqui não há lugar para covardes!
Trabalhar
Combater
Competir
Sem amar
Sem dançar 
Sem sorrir
Somente mandar
E vencer

Porra!

A minha gaveta era o caos, a entropia
Tudo se misturava
Bailava 
Fugia
Caralhos e bucetas faziam orgia

Eu tinha um pau entre as pernas
E a voz fininha
Brincava de boneca
E de casinha
Gostava de sorrir e de dançar

Eu tinha o andar lânguido de princesa
Mas, sem nenhuma delicadeza,
Eu mandava se fuder 
Quem tentasse me dominar

Porra!

O meu corpo era um caos permanente 
Eu gostava de cacetes e vaginas
Eu gostava de meninos e meninas 
E pra todos tinha buraco suficiente

Mas o mundo...
O mundo e suas caixinhas 
Foi me encaixando
Me dominando
Me fazendo sentir culpada 
Por essa ordem toda errada
Que força pessoas a se engavetar

Ainda não sei bem quem eu sou...
Mas hoje eu sei
Que não sou eu que estou errada 
E que nessa minha jornada
Eu hei de achar o meu lugar
Sem caixinhas
Nem gavetas 
Onde caralhos 
E bucetas
Sejam partes do corpo ou fontes de prazer 
E não uma faca para nos podar!

Comentários

Magna Santos disse…
Bom voltar aqui e me deparar com esse poema-luta! A Ponte continua firme, as Palavras permanecem afiadas. Valeu, Fabi!
Beijo.

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