Bordado

As vezes, penso que minha vida vai se bordando por si só.
Uma agulha invisível,
guiada sabe-se lá por que mão,
vai juntando tecidos passados e futuros,
alinhavando memórias,
costurando fragmentos
de tempos que se somam.


Coisas que parecem esquecidas
lá estão, nos fios que se entrelaçam.
As histórias dos pescadores
que um dia aninharam meus ouvidos de jornalista
eu hoje reconto,
até sem perceber,
para os meninos da Biblioteca do Coque.

Meus grupos de teatro -
o Pano de Boca, Tróia de Taipa
e as experiências lúdicas em tempos de Arteviva -
me fizeram atriz das entrelinhas,
a costurar minhas marcas nas dobras do tecido.
Me deixaram eternamente prenhe
de sonhos solidários:
um teatro que se constrói juntos
e que, em sua efêmera passagem,
guarda para sempre nosso rosto.

A literatura de cordel, o jornalismo sindical...
em cada riacho, eu busco a margem,
e meu bordado vai se tecendo no avesso do pano.
Então,
quando penso assim,
convivo melhor com a saudade
e com esta coisa triste
que é ser atriz à deriva,
costurando em outros sonhos
o sonho de teatro de grupo,
para não deixá-lo afogar-se em uma realidade nada coletiva.

Comentários

Magna Santos disse…
Misericórdia, criatura! Que coisa linda que teus dedos teceram! Lindo, lindo! É isso mesmo,Fabiana, nossa vida são esses bordados com avessos, com nós, com desenhos.
Eu só acho que a mão é mesmo nossa, a linha é que é dada por Deus, mas o resto é todinho nosso com toda singularidade.
Você me fez lembrar do que escrevi em outubro passado ("sala de espera") ao conhecer uma senhorinha muito particular. A metáfora era diferente: crochê,mas a lição era a quase a mesma.
Beijos.
Magna
Obs.:palavras-pontes juntou-se com estuário e acabou me inspirando sementes.
Cleyton Cabral disse…
Puta que pariu, que texto do caralho! Desculpe-me pelos palavrões, não pude evitá-los. Beijo!
"A literatura de cordel, o jornalismo sindical...
em cada riacho, eu busco a margem..."

gosto dessas coisas bem específias nesse teu texto, moça... formam um tipo de epicentro, sabe? o local ejacula no cosmo.

gente, vamos lá, dizer palavrões:

caralho e puta que pariu são codinomes da beleza.

beijo
Fabiana,

ca estive. gostei do que vi. E, pelos comentaristas aqui presentes, encontro um quase-parente de sangue italiano.

abraço

Inácio
E é um tipo de costura como a de Penélope, feita e refeita, coser e descoser, adiando o fim com renovados começos.
Teu texto é muito bacana. Muito bonito.

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