Conto de Natal

Era uma vez um menino chamado Paulo.
Paulo tinha 14 anos e odiava o Natal.
Odiava as luzinhas, o Papai Noel, os enfeites, e tudo o que tivesse a cara do Natal.
Paulo não ganhava abraços em dias de festa.
Não tinha mãe, nem pai, nem avós.
Apenas uma tia que lhe cuidava, mas não abraçava, nem sorria.


Desde que aprendera a escrever, mandava cartas ao Papai Noel.
Mesmo hoje, quando já sabia inútil.
Pedia bicicletas, vídeogames, e todos esses presentes caros que passam na televisão.
Recebia um velho peão, uma bola meio furada, ou um trenzinho com uma roda a menos.

Era mais um dia de 24 de dezembro e Paulo estava de mau humor.
Não falou com a tia, não disse nada. Resolveu passar a noite na rua.
Estava frio e escuro.
E, como distração, o menino começou a riscar fósforos, de uma caixa que guardava no bolso, como ameaça de cigarros.

No primeiro risco, fez-se um clarão.
E, no meio do clarão, Paulo viu uma mesa farta, de comidas e bebidas, doces e salgados, toda espécie de guloseimas que um menino de 14 anos, com fome, pode desejar.
E o clarão apagou-se. Restou o escuro da rua.

Paulo acendeu mais um fósforo.
Viu brinquedos de todos os tipos, todos os que passam na televisão.
Novo fogo, ele viu roupas novas, tênis da moda.
E um a um, foi riscando os fósforos, até que restou apenas um.

Quando o último clarão se fez, Paulo viu uma menina,
criança, pretinha, cabelos encaracolados.
A menina pegou-o pela mão e o levou, pelas ruas.
E levado pelas mãos da criança, Paulo chegou em casa. Espiou.
Lá dentro, viu a tia, que chorava.
Tinha um pedaço de papel nas mãos.
Chorava.

Era a carta que Paulo enviara ao Papai Noel, o menino reconheceu.
Espiava.
Viu a tia buscar um presente, carrinho velho, de cores gastas.
Viu a tia pegar um papel, de presente, amassado, meio rasgado pelo uso.
Viu a tia embrulhar o pacote.
A tia que contava as moedas.
Que ia ao açougue, levando nas mãos os últimos tostões.
Viu a tia comprar o pedaço de galinha, e levar ao forno, e preparar a mesa.
E esperar, lágrimas nos olhos.

Paulo descobriu na tia o Papai Noel.
Quando olhou para o lado, a menina já não estava.
Paulo abriu a porta e,
pela primeira vez,
em catorze anos,
abraçou a velha tia.
Choraram juntos, durante vários minutos.
Comeram juntos.
Dormiram juntos.

E o menino descobriu que era ele quem não abraçava,
nem sorria.
E ganhou, aos 14 anos, seu melhor presente.

(baseado na fábula "A pequena vendedora de fósforos", de Andersen)

Comentários

Magna Santos disse…
Luna, difícil falar sobre o Natal...é tão sublime para falarmos algo! Esta foi minha sensação, mas, mesmo assim, arrisquei-me. Ao menos, tentei. No entanto, você conseguiu. Quantos Paulos não somos e encontramos? Quantos fósforos precisamos? As palavras são mesmo pontes, ou quem sabe, sementes.
Abraço!
Magna

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