Infância roubada

Quando calaram-se as últimas fadas, ela se sentiu só, a criança. As amigas falavam de moda e exibiam os sapatinhos cor de rosa, com saltos. Punham maquiagem nos olhos e ensaiavam o mais novo rebolado. Ela não sabia de nada. Gostava de andar descalça e de rebolar com bambolê.


Por muito tempo, conviveu bem com o isolamento que lhe impunham as coleguinhas de sala. Tinha as fadas, sua companhia. Mas o tempo se encarregou de apagar estes rastros e fazer a solidão pesar, como cruz.

As meninas apontavam-lhe com o dedo e riam. Diziam-lhe louca, aluada, boba, abestalhada e outros adjetivos mais impróprios. Ela não dizia nada. Mas, agora, já não se sentia tão bem. Tinha nove anos e fora criança alegre. Não mais.

Chorava por ter que ir à escola, que lhe parecia uma tortura sem fim. Afundava-se nos livros para não ter que olhar as crianças a sua volta. Queria ficar em casa, com a mãe e a irmãzinha. Brincar de boneca, pega-pega, esconde-esconde. Ouvir histórias bonitas e dormir com cantigas de ninar. Mas as amigas da escola lhe roubavam a infância, a cada dia.

Quando cansou de ser sozinha, passou a imitá-las. Decorou os passos da dança e aprendeu a rebolar sem bambolê. Exigiu da mãe sapato alto, com fivela rosa. Aprendeu também a xingar, falar desaforos e olhar de banda para os que não se enquadravam.

Foi aí que as fadas, que estavam caladas, mas vivas, começaram a morrer.
Hoje, ela tem 24 anos e a alma seca, como imenso deserto.

Comentários

Magna Santos disse…
Ah, Fabiana, tu trazes com este um problema tão comum hoje em dia, um desassossego que me incomoda demais, mas, que, infelizmente, tem se tornado comum. Meninas que mais parecem anãs, por se colocarem como adultas ou serem colocadas como adultas; como saber onde nasce o esforço? Movimento moderno que pára o ser em flor, ou melhor, que o atropela.
Ficaria aqui falando uma eternidade...mas tuas palavras trazem uma 'cultura' atual...quem dera os pais(adultos) quisessem menos antecipar o crescimento dos filhos...porém, todo mundo tem pressa, pressa de viver e, no entanto, pouco se vive.
Beijos.
Magna
Anônimo disse…
te amo mãe
beijos
anais!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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