Sobre crianças e palavras.


Palavra dói. Eu vi estampado na cara do menino, o soco firmado na voz da mãe: - Sai daí, peste!


O menino pôs o riso em desconcerto pra esconder o travo na garganta. E engoliu a peste com todas as suas feridas, moscas e putrefações.

Aqui, nesta beirada de fim de mundo, as crianças já nascem maltratadas pelas palavras. O menino é mais um que é cevado no grito. Mais um.

Silêncio nestas bandas é medo. De bala, de sirene, de barulho mortal.

O ruído outro, das palavras que maltratam, fica mais perto do coração, mesmo quando dói. E a dor é certeza de que se está vivo, mesmo quando se caminha entre sombras.

Por isso aqui, neste pedaço do esquecimento, poemas são joias raras, tenebroso desmantelo. Poemas são pedaços de silêncio, de vento que sopra, água do rio... Poemas são pássaros que ciscam no asfalto, o metrô que toca no céu...

E é ali, no livro colorido, que o menino vomita sua peste em formato de histórias. Na ausência das letras que não lhes foram reveladas, cria um mundo pelo avesso, com bichos contentes e pedaços de azul. Depois conserta o riso e pinta a rua com seu cheiro de infância.

Comentários

Magna Santos disse…
Eita, mulher, e este foi um soco no estômago mesmo. Meu. A sensação de fazer muito pouco é muito grave e maltrata a consciência. Nâo sei muito o que fazer com este sentimento. Essa nossa vida breve...essa eternidade toda pela frente...
E mais crianças a teimarem com a lágrima, a engoli-la a seco, sem água, sem suco, sem cor, só dor.
O que consola é a esperança, porque ninguém está perdido, enquanto houver palavras benfazejas a lhe visitarem, olhos a lhe protegerem. Não ninguém está perdido nem sozinho.
Esta eu vou tomar a liberdade de passar adiante por email, viu, camarada?
Beijão e que Deus te fortaleça!
Magna
PS:respondi teu comentário em Sementeiras
Domingos disse…
Eu estive lá a bordo da poesia imensa desta poeta que eu não conheço e admiro. Me foi apresentada por Carlos Maia e agora de novo recebo através de Magna talvez o melhor presente do dia das crianças da minha vida. E preciso estar presente lá. Lá no Coque e dar a minha parte. Ajudar neste trabalho. Antes que as palavras pestes ganhem a luta contras as palavras-pontes.
Se amor incondicional não for o que acabo de ler e saber que é eu não sei mais de nada mais.
Luna Freire disse…
Magníssima, o pior é quando esta dor está tão entranhada na vida que passa a ser natural... e aí, o bom da literatura é que ela aponta outras possibilidades.
Domingos, fico toda sem graça com os elogios, nem sei o que dizer. Então digo apenas que vamos fazer um recital na Biblioteca em novembro, mais precisamente no dia 26. E quero vocês todos lá: vc, Carlos Maia, Magna... todos! E eu amo mesmo aquela meninada de lá!!! Tenho certeza que vcs também vão adorar.
Magna Santos disse…
Fabi, depois podemos conversar mais a respeito, porém, quero te dizer uma coisa que talvez te escape: não são exatamente os livros e a literatura que dão outras possibilidades para essas crianças. Mas sim: o olhar, o cuidado, a presença sua, de Betânia que realmente amam aquelas crianças. Entende o que quero dizer? Isto tem um porquê.
Se ainda não assistiu, assista ao filme brasileiro "O contador de Histórias". Um exemplo vivo do que estou dizendo.
Depois conversamos.
Beijão bem grandão!
Fique com Deus!
Magna
Canto da Boca disse…
E eu continuo sem saber o que dizer, já entrei e saí inúmeras vezes daqui. Cada vez que eu entro, saio mais calada que nunca, porque o silêncio é a minha reverência à Fabi, ao seu trabalho, à sua crença e à sua fé num mundo melhor, e, sobretudo, ao trabalho que ela faz, ao ser humano imenso que ela é.

Levar essa infância cheia de cores, sabores, cheiros e possibilidades às crianças, na Biblioteca do Coque, é o que faz essa menina linda, essa menina danada, que agora também tem o nome de Esperança!

Beijos!

;)
Dimas Lins disse…
Quando "peste" sai da boca de quem ama,
Quando uma surra é o mais próximo do carinho,
Quando entre nossa gente a gente se sente sozinho,
Percebe-se que o amor foi enterrado na lama.

Dimas Lins

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