Reveillon

Todo ano igual: ela sonhava que passava direto do dia 30 de dezembro para primeiro de janeiro.
Nada de reveillon. ,
Nada de champagne, vinho, roupa branca, praia, família, família, família...


Que família?
Aquela que a expulsara de casa quando, aos 17 anos, pegou bucho do filho do patrão?
Por causa da tal família, comeu o pão que o diabo amassou.
Esquinas, becos, hotéis de terceira com velhos, moços, bêbados... dois dentes a menos de um murro, a fome, as dívidas, os agiotas e ela pagando com o próprio corpo os intermináveis juros.
Porra de família!!!
O bebê? Sorte dele que não vingou pra acompanhá-la em seu calvário.
Agora não... desde que conhecera o gringo, sua vida dera uma guinada em direção ao céu.
Casa, comida, gente fina, restaurantes caros... tudo do bom e do melhor. E só o que tinha a fazer era servir de cama e mesa. Manter saciados os vícios do homem e garantir boa comida, casa limpa, roupa asseada.
E manter o silêncio e a compostura. Dentro de casa sem reclamar ou dar opiniões. Balançar a cabeça assentindo para cada dito do esposo. E só.
Mas, de tudo, o mais difícil era o sorriso. Mais ainda em dias de reveillon.
Aquela brancura de gente, o tlim tlim das taças, a mesa bem posta e os sorrisos, sorrisos, sorrisos... tudo isso lhe dava ganas de quebrar tudo.
Sonhava jogando taças na parede, um vidro de champagne destroçado sobre cabeças, o sangue rolando nas faces e ela a gritar todos os gritos sufocados na garganta.
Depois acordava.
Retoques na mesa, banho perfumado, roupa branca, separar as taças e pendurar o sorriso no rosto.
Paciência... o tempo passa rápido. Amanhã já é outro ano.

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