Lata d'água na cabeça

Passou sua infância a carregar latas de água na cabeça.
Equilibrava-se nos trilhos do trem,
do Coque à fila da água.


A espera na fila era seu momento único de brincadeiras.
Jogava pedrinhas enquanto aguardava para encher a lata.
Voltava com ela na cabeça, cheia e pesada para uma criança,
principalmente quando é preciso andar nos trilhos.

Quando vinha o trem, era preciso baixar-se,
deitar na terra,
e muitas vezes a lata virava e a água escorria.
Era preciso reiniciar a jornada, repetida exaustivas vezes até ter cheio o tonel.

Com esta água a mãe lavava as roupas da patroa,
que a menina levava depois de limpas, à pé até a Imbiribeira.
E, de volta, trazia as roupas sujas para,
no dia seguinte,
o ciclo recomeçar.

Hoje, a menina já passou dos sessenta.
Tem os braços cansados de lavar roupas.
As roupas que sua mãe, passadas oito décadas,
ainda insiste em lavar.

Hoje, a menina tem filhos criados,
alguns perdidos: para a morte, para as prisões ou para a vida.

Hoje, a menina cria os netos,
cuidando de ocupar seus espíritos
para livrá-los de tudo o que a fez perder seus filhos.

Ela tem um sonho, um só:
"não quero morrer sem aprender a escrever meu nome".

Estes são os moradores do Coque.
Não aqueles que saem nos jornais.
Hei de estar presente quando ela, pela primeira vez, assinar o próprio nome.

Comentários

Magna Santos disse…
Fabiana, suas palavras fizeram pontes preciosas com a minha consciência e o meu coração.
Que Deus te abençoe.
Acabou ainda germinando em Sementeiras.
Obrigada.
Beijo.
Magna
Magna Santos disse…
Dá uma olhada no site da Fundação Joaquim Nabuco. O documentário de Patativa está passando lá esta semana, aliás, desde sexta-feira passada. Será exibido até quinta-feira.
Beijos.
Magna
Cleyton Cabral disse…
E essa sua postagem foi no dia do meu aniversário. Escreva mais, também gosto da sua ótica... me emocionei com a leitura dos seus lá no grupo. =D beijão e té quarta.

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